22/05/2013

Um filme, uma mulher. Por João Palhares





Filme: 7 Women. Mulher: Dr. D.R. Cartwright
(IMDb)


Não me é muito fácil descrever ou falar ou explicar a personagem de Anne Bancroft no Seven Women de John Ford. Sempre que o vejo e a vejo a ela consigo só juntar umas palavras de admiração sem muito nexo porque me deixam sempre arrasado e atónito. Enfim, se prova fosse precisa de que Ford não era nem é o amontoador de preconceitos de que o acusavam e ainda acusam de ser, aqui não podem haver quaisquer dúvidas. Não é.
Disse que não me é muito fácil porque quando se confunde assim a realidade e a ficção, as pessoas e as interpretações, quem vê sente que está a encarar pessoas olhos nos olhos e situações horríveis sem muito atingir, sem muito perceber. É verdade, se calhar podia-se dissertar sobre o feminismo desta obra, podia-se dissertar sobre moralidade e actos morais, podia-se fazer de tudo um pouco mas tinha pouco interesse porque o que fica é a força e a fragilidade da personagem de Anne Bancroft e portanto o que se deve escrever é uma ode a isso. Ou tentar-se, pelo menos.

Quem é a doutora Cartwright  Diz estar a fugir do seu país, como todos no posto missionário do filme fizeram. Estão bem uns para os outros, portanto. Mas só quando ela lá chega é que percebemos isso. Sem ela, o posto tinha uma hierarquia muito simples e obedecida. A líder da missão comandava o posto com severidade e falsa dedicação. É Cartwright ou a cólera que assola aquele lugar que põe tudo em pânico ou a pensar no passado. O desespero fugaz da doença que é vencida deixou a morte muito perto e o que não se conseguiu fazer em vida a martelar nas cabeças de toda a gente. Cartwright é só uma mulher. Fuma, não pratica a religião que tanto se venera por aqueles lados mas é ela que consegue reforçar-lhes a crença sem pedir nada em troca e fazer com que nós próprios acreditemos. Em qualquer coisa, nem interessa. Em importarmo-nos, quanto mais não seja. Graças a Anne Bancroft, sete mulheres libertaram-se de uma vida sem vida e graças a ela também, no fim do filme, percebemos que se calhar não estamos tão vivos assim e que também a nós "something's missing". Mas sem lições, sem denunciação, sem areia para os olhos.

Um filme de 82 minutos, pasmemo-nos, dá-nos isto. Feito com uma economia que consegue captar mesmo assim (ou mesmo por isso) os medos e a coragem desta lindíssima mulher. Um colosso. Cartwright ou Bancroft, tanto faz. Troquem-se os Graduates e as personagens femininas ditas fortes da Hollywood de hoje por isto. Pelo menos uma vez. E deixo uma última provocação: talvez seja este o melhor filme de John Ford.




3 comentários:

  1. Epa fiquei muito curioso para descobrir esta personagem (e este filme). Contra-provocação: melhor que o Stagecoach?

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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  2. 1) João Palhares desculpa. Quando recebi o teu comentário estava o telemóvel e em vez de carregar no publicar, foi o eliminar que foi venceu a luta do ecrã táctil.

    2) A salvação está na copia dos comentários para o email. Aqui está o teu comentário:

    "Eu não sou ninguém para estar para aqui a dizer qual é o melhor filme do Ford e o Stagecoah realmente é um filme muito especial, feito numa época muito especial e que nunca mais se repetiu. É olhar para essa década de 30 e ver que é uma década insuperável, que os filmes do Vidor e do Hawks e do Ford e do Walsh e do Chaplin e do McCarey (e de muitos mais) já faziam adivinhar neo-realismos e novas vagas e dão lições de forma e método a imensa, imensa coisa que se faz hoje. Só que, não sei, este último filme do Ford não me deixa de assombrar, é uma fonte constante de segredos e mistérios que são o resultado de uma vida inteira a fazer filmes e mais importante, a viver, pois claro. E ainda que haja uma média-metragem narrada pelo John Wayne depois disto, o Seven Women é a despedida oficial do Ford. E despedir-se desta maneira... Brutal, sem concessões... Está lá em cima, ao lado dos grandes... Mas só vendo é que se acredita. Aviso só é que é bem difícil, é mesmo uma tareia dum filme, nem sei quando vou reunir coragem para o rever outra vez...

    Peço desculpa pelas muitas palavras
    E agradeço à Sofia o convite
    Abraços"

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  3. João, não és ninguém salvo seja, podes (e deves) sempre tentar transmitir o teu conhecimento e por aderência as tuas preferências. Eu é que agradeço, para mais vindo de alguém que sabe tanto e que respeito imenso. Fica aqui a nota.

    Contudo, percebo-te perfeitamente - Ford fez tantos filmes e cada um melhor que o outro, que se torna difícil senão impossível tais "catalogações". Há tanto por onde depurar e apreciar que, volta e meia, damos por nós a questionar e a reavaliar a hierarquia (se é que existe e se é que vale a pena o exercício) da sua filmografia. A referência e a provocação com o Stagecoach foi só isso mesmo, provocação, acha para a fogueira, para lançar mais o debate eheh.

    Irei tentar ver o Seven Women o quanto antes.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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