16/05/2013

Um Filme, uma Mulher. Por Pedro Miguel Fernandes






FilmeOnna ga kaidan wo agaru toki. MulherKeiko Yashiro
(IMDb)


Há qualquer coisa de belo e trágico nas histórias das personagens femininas dos filmes dos grandes mestres japoneses. Por isso quando encarei a tarefa de escolher uma mulher para esta iniciativa lembrei-me de prestar homenagem a Keiko Yashiro (Hideko Takamine), uma das personagens femininas que conheci recentemente num filme realizado por Mikio Naruse, talvez o menos conhecido dos cineastas tidos como os principais mestres japoneses. Os outros são Ozu, Mizoguchi e Kurosawa. E aproveitar também para dar a conhecer um filme quiçá menos conhecido.

Keiko Yashiro é a personagem principal de «Quando Uma Mulher Sobe as Escadas», filme realizado já na fase final da carreira de Naruse. Também conhecida como Mamma, Keiko é uma viúva de meia idade, responsável por um bar de geishas em Tóquio, que tem de escolher o seu destino: casar de novo antes que seja velha demais ou abrir um negócio em nome próprio e continuar ligada aquele mundo noturno. E, em último caso, alcançar uma vida estável, seja qual for a opção escolhida. Ao longo deste excelente filme Naruse filma na perfeição o retrato de uma mulher que vive de noite, ao contrário de toda a gente, que tem um trabalho de escritório, e luta para tentar fugir a um destino que parece estar traçado à partida, contra tudo e todos. E é isso que faz apesar de todas as contrariedades que lhe vão surgindo no caminho e que culminam numa belíssima sequência final onde nunca um sorriso nos pareceu tão amargo como o de Keiko depois de subir as escadas pela última vez no filme, ao mostrar-se de certa forma resignada face ao seu destino.

Mas onde a história de Keiko, que vai sendo narrada em voz off pela própria ao longo do filme, ganha força é nos momentos fora dos bares por onde passa e convive com os clientes, que apreciam e respeitam a sua presença. São estes momentos que nos mostram a verdadeira Keiko, que continua apaixonada pelo marido que morreu há muito tempo e tem de sustentar a família com o esforço do seu trabalho. A procura por uma vida melhor e as opções que lhe vão surgindo à frente, algumas impostas pela sociedade que a rodeia outras pela própria, mesmo tendo noção que não são as ideais, acabam por ser a outra face da moeda deste filme, onde a mulher tem o papel principal. Como em muitos filmes dos mestres nipónicos, também aqui todos os papéis masculinos são praticamente secundários. Não há nenhum que sobressaia, a não ser na importância que tem em determinada parte do filme. Como é o caso do cliente do bar por quem Keiko se apaixona, numa das últimas cenas, e que acaba por ser fatal para selar o destino de Keiko, que sucumbe por um momento e se apercebe do erro que cometeu passado pouco tempo. Uma vez mais vem-nos à memória o sorriso amargo de Keiko que irá surgir no último plano de «Quando Uma Mulher Sobe As Escadas».

Ao fazer o retrato de Keiko, Mikio Naruse brinda-nos com um dos mais belos retratos femininos que vi nos últimos tempos. Keiko é uma mulher que quer ser independente, contra tudo e contra todos, numa sociedade que não vê isso com bons olhos. E apesar do tal sorriso final de Keiko, terminado o filme não temos tanto a certeza de que estamos perante um final feliz.





4 comentários:

  1. Obrigado pelo convite e parabéns pela excelente iniciativa. Estou a gostar bastante de ler estes textos.

    Cumprimentos,

    PMF

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  2. Esta mania do Pedro escolher filmes que eu não conheço :P
    Ver se espreito isto que normalmente os conselhos dele valem a pena :D

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  3. Já me convenceste Pedro :D Não conhecia mesmo o filme, mas sendo grande apreciador do cinema japonês vou ver de certeza! Parece-me uma óptima escolha, devidamente bem justificada.

    Cumprimentos,
    Rafael Santos
    Memento mori

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  4. Grande escolha, grande filme e grande mulher. Não é das mais óbvias, longe disso, mas é daquelas que tem tanto de verdadeiro quanto essencial.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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