20/05/2013

Um filme, uma mulher. Por Nuno Oliveira







FilmeJohnny Guitar. Mulher: Vienna
(IMDb)

Já por várias vezes fui confrontado com pessoas que acreditam que o western é um género inerentemente masculino, e entre eles estão queridos amigos, cinéfilos, e até a minha namorada. Por mais que tente dissuadi-los, atiram-me sempre à cara os velhos argumentos: a violência, os tiroteios, os duelos, as ruas áridas e imundas; e daí por diante até finalmente elegerem os estereótipos supremos, os derradeiros heróis do género - John Wayne e Clint Eastwood - como não podia deixar de ser. Muito embora que para esse efeito, tenhamos que voluntariamente e convenientemente esquecer  parte que este último pertence a uma categoria de western bem diferente, para não ofender ninguém.
Então vejamos: não será o western (e notem que quando me refiro ao western, refiro-me ao americano e não a qualquer dos seus sub-géneros), antes de qualquer indício de masculinidade, um indício de femininidade? O que é este género cinematográfico, senão uma ode à América prometida, o seu seio maternal? E não estará no Oeste americano - Que Thoreau tanto amava - a essência do espírito americano? A terra do sonho americano? Toda a destruição e violência que posterior do Oeste deve-se exclusivamente a velhos e imundos hábitos de natureza humana, e não da terra em si  E é precisamente nesta dualidade entre masculinidade e femininidade que Joan Crawford - já de si um símbolo exímio em Hollywood, não só pela sua involvência na emancipação das actrizes, mas também como das mulheres em geral- cria a sua personagem mais completa (a meu ver, claro): Vienna.
Apesar do título, "Johnny Guitar", este não é um filme especificamente sobre um homem. Aqui, Nicholas Ray criou um western singular que apenas adquiriu a fama que a sua qualidade prometia algumas décadas depois da sua estreia em 1954. Este é um western diferente - subtil e melodramático - sobre duas mulheres, as suas verdadeiras personagens principais - Vienna e Emma Small - a primeira poderíamos designar como a representante do bem, e a segunda do mal. É também curioso notar como os homens do filme, incluindo Johnny, são personagens muito mais fracas, praticamente amorfas, bidimensionais comparados com elas. 
A poucos minutos da abertura do filme assistimos a Emma Small e a um grupo de homens que a acompanham romperem pelas portas do saloon de Vienna; eles anseiam linchar o Dancin' Kid; ela, sedenta de ciúme e ferida por um amor reprimido por este último, deseja a morte de Vienna. É exímia a encenação deste cena: Emma Small, com o seu bando de capatazes, que nada mais são que as ferramentas desta para a cobro a sua vingança, ordenam do fundo das escadas do saloon que Vienna desça e se apresente para ser julgada. E Vienna responde, de revólver na mão, impiedosa mas justa "Venham buscar-me. Não me vou entregar facilmente". Aqui, Emma começa a revelar-nos o seu lado mais sombrio, acusando Vienna da morte do seu irmão e aproveitando a amizade desta com o Dancin' Kid como bode expiatório  Toda a malícia e ciúme de Emma Small (com um apelido a condizer com a sua personagem) não conseguem demover a postura soberana de Vienna que, por fim, os convida a sair. Escusado será dizer que o verdadeiro amor de Vienna é Johnny Guitar, mas isso não interessa a Emma. Na segunda metade do filme, mais uma brilhante cena em que Vienna, sentada calmamente a tocar piano, vestida de branco, muito diplomaticamente afasta os homens de Emma do seu Saloon, afirmando a sua autoridade sobre este. Por fim, a intriga atinge o seu clímax num duelo apenas entre Vienna e Emma. Algo inédito num western.
 A relação de amor entre Johnny e Vienna é também interessante, e de certa forma, é essa relação que confere a Vienna a sua força, mas gostaria de me cingir ao que para mim é o verdadeiro génio deste filme - a dualidade entre o bem e o mal, entre o amor e o ciúme pela perspectiva destas duas mulheres, num oeste hostil  e ainda mais  para com o sexo feminino. 
Já o disse muitas vezes, em voz alta, mas digo-o agora por escrito novamente, "Johnny Guitar" é o filme mais fiel ao feminismo que eu conheço. E a grande ironia que reveste o filme, que muitos não compreendem ou recusam, é precisamente por ser tratar de um western.



1 comentário:

  1. Grande mulher e grande escolha. Talvez a melhor que por aqui passou até ao momento, ou pelo menos das mais acertadas (naquilo que interpreto da iniciativa claro).

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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