18/12/2013

Cine 31 | O filme da minha vida

Em 2011 criei a iniciativa "O filme da minha vida" no Cine31. Iniciativa esta, que depois da minha saída, continuou no blog, disponível, para que o David e o Bruno a continuassem. Mas, como todas as iniciativas que dependem de retorno de outras pessoas, nem sempre são fáceis de gerir e esta ficou um bocadinho parada no tempo. No entanto não ficou esquecida.
Há dias atrás surgiu na blogosfera, uma iniciativa com o mesmo título e com o mesmo intuito. É certo que o título não foi invenção minha, existiu algo na televisão com o mesmo nome. Existirão certamente muitos outros artigos, espaços, rubricas, iniciativas, etc. com o mesmo nome... no entanto, não sei se por distracção, por falta de conhecimento do que se faz no universo dos blogs nacionais ou simplesmente por falta de imaginação, aconteceu a (re)utilização do título da iniciativa. A estranheza maior está no facto de que foi (re)usada no mesmo espaço que em tempos mencionou a "falta de originalidade nos blogs de Cinema". Estranho. Não considero justificável a utilização do argumento que se baseia no facto de que a originalidade da iniciativa depende dos convidados (o que soa ser de um elitismo atroz) ou das suas respostas. 
Recebi varias mensagens de colegas bloggers a chamarem-me a atenção sobre a lamentável coincidência. O que prova que o título não podia, nem devia ser o mesmo. A identidade de um blogger e do seu blog está na sua originalidade e na sua forma única de ser e de estar, não só por aquilo que faz no seu espaço, mas também e sobretudo, na relação de respeito (e não de amizade) que deve ter com os seus pares. É muito pouco elegante. Pior só mesmo o polémico "traço" que foi obrigado a dividir o "Close" do "Up", ou a utilização numa revista do título "Keyzer Soze's Place" para uma rubrica mensal. Tal como o título da iniciativa em causa, o termo não é original, mas a sua duplicação, incomoda. 
Dito isto, incentivei o David a continuar a iniciativa criada em 2011 e tive o imenso prazer de escrever novamente para um espaço que já foi a minha casa e que sempre me tratou de forma exemplar.



Escrever sobre algo que se gosta é sempre muito difícil. Limitar o gosto a uma única unidade é quase um suplício. Resolvi escolher um filme que me marcou, pela idade que tinha, pelo impacto que teve na minha formação enquanto Ser Humano, mas também muito pela sua genialidade, detalhes cáusticos, autenticidade e muito, mas mesmo muito pelo seu sentido de humor.

“Choose Life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, choose washing machines, cars, compact disc players and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol, and dental insurance. Choose fixed interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisurewear and matching luggage. Choose a three-piece suit on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who the fuck you are on Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing, spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked up brats you spawned to replace yourselves. Choose your future. Choose life... But why would I want to do a thing like that? I chose not to choose life. I chose somethin' else. And the reasons? There are no reasons. Who needs reasons when you've got heroin?”



Trainspotting | Danny Boyle.1996

Baseado no polémico livro de Irvine Welsh e inspirado nas suas anotações (para uma tese) e no seu diário pessoal, o filme – adaptado por John Hodge - aborda a vida quotidiana de um grupo de jovens adultos viciados em heroína. O cenário principal são os subúrbios de Edimburgo (Escócia). A história é basicamente a luta diária que os quatro jovens enfrentam para manter o seu vício. Amizade, fim da amizade, salvação, morte. 
Vencedor de um Bafta, de um Prémio Bodil, Brit Awards e nomeado para muitos outros, foi considerado em 2004, pelo The New York Times como um dos 1000 melhores filmes já feitos.
Uma coisa é certa, Trainspotting é aquele tipo de filmes que não permite meios-termos, ou se ama, ou se odeia. Mas, indiferente – ninguém fica. 
A proximidade cronológica a Pulp Fiction, talvez tenha dotado Boyle de grande valentia. Afasta-se do politicamente correcto, do socialmente bonito e do retrato de uma juventude perfeita. Trainspotting solicita ao espectador que abandone preconceitos porque o realizador desafia várias convenções. Um espectador neutro achará que Boyle é imparcial ao abordar as drogas, outro, mais conservador defenderá que o filme é uma ode ao uso de drogas. Mas na verdade, o que realmente interessa no argumento são as personagens e a sua intricada história. Com um ritmo completamente alucinante, Boyle dá ao filme uma objetividade incomum, retratando as personagens de forma clara e honesta. Os diálogos são dotados de humor, de crueldade, e sobretudo de muita alucinação. 



É violento e ficou na História do Cinema como tendo algumas das cenas mais viscerais de sempre. Todos recordaremos para sempre o “mergulho” na sanita pública mais suja da Escócia. Mas, a violência e o desconforto não são gratuitos. Têm um sentido claro e justificado na história. O realizador não insulta, é objectivo e verdadeiro. Dota o espectador com o valioso poder de interpretar a história com os seus próprios termos, e de amar ou odiar os personagens de acordo com os seus próprios valores e ideais. 
Trainspotting não envelheceu mal. Vê-lo hoje, causa no espectador o mesmo efeito de absoluto que causou em 1996. Ouso mesmo dizer que é uma obra de arte, com o ritmo perfeito, diálogos sublimes, personagens magistrais e uma das melhores bandas sonoras de sempre.  Tal como a Pintura, que não voltou a ser a mesma depois de Andy Warhol, também o cinema nunca foi tão POP como na década de 90, sobretudo com Trainspotting. 
Este filme de Danny Boyle é um exemplo irrepreensível de uso perfeito de edição e montagem, de um argumento bem escrito (ou adaptado), dotado de uma sonoridade perfeita e majestosamente alternado com momentos horríveis, hilariantes, trágicos. Beneficia de um nível raro de profundidade e de eco e tornou-se automaticamente um clássico. E está desde 1996 gravado na minha biografia, como “um filme da minha vida”. 




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