27/05/2013

Um filme, uma mulher. Por António Tavares







Filme: The Big Sleep. Mulher: Vivan Rutledge
(IMDb)

Defendia Godard que Howard Hawks, por não compreender a diferença entre sexos, rejeitava o uso tradicional do campo-contra-campo. Aliás, a questão nem seria tanto a falta de compreensão de Hawks, mas antes o entendimento que as (supostas) diferenças geralmente atribuídas a homens e mulheres não seriam categoricamente determinantes - ou até mesmo impeditivas - para a narrativa enquanto unidade. Porventura por essa razão, as relações entre personagens sejam um dos principais objectos de estudo do seu Cinema, com o próprio realizador - «I'd say that everybody has seen every plot twenty times. What they haven't seen is characters and their relation to one another. I don't worry much about plot anymore.» - a admitir a tendência. E poucas personagens hawksianas subvertem tão habilmente o género como Vivan Rutledge, a femme fatale de THE BIG SLEEP.

Bela e sedutora, a primeira vez que surge em cena mostra logo a MarloweHumphrey Bogart, cool como sempre - quem manda ali. Literalmente. Minutos depois é o pai a revelar ao detective privado que a filha - em oposição à irmã mais nova, uma criança mimada - é cínica e manipuladora. O próprio argumento acaba por colocá-la no mesmo patamar dos homens - joga, pragueja e bebe -, turvando as águas já por si lamacentas da ética de hawksiana. No fundo, joga-se ao sexo mais forte, colocando Bacall a desafiar os homens com o seu à vontade característico.

Ser a femme fatale do mais críptico dos films noir - THE BIG SLEEP é uma das obras mais difíceis de reproduzir mentalmente, tais as curvas e contracurvas no seu argumento, indecifrável até para Faulkner e Chandler - já seria de si uma proeza merecedora de destaque. Mas ainda mais interessante será, talvez, a insistência de Hawks - e lá voltamos nós ao que Godard afirmava - em colocar Bacall e Bogart no mesmo plano. A divisão de enquadramentos pelo casal é um dos primeiros indícios de igualdade sexual no Cinema de Hollywood, ainda que algo discreto e pouco desenvolvido. Daí que Bacall, ao mostrar-se capaz de se movimentar num meio predominantemente masculino - como o film noir o era -, seja tão importante na quebra com uma mentalidade antiga e ultrapassada.






2 comentários:

  1. Fiquei muito curioso com este filme, parece-me uma excelente sugestão

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  2. Não morro de amores pelo filme, curiosamente dos poucos de Hawks e desta época que não me satisfaz (precisa contudo de o rever), mas sim, é evidente, que a Vivan Rutledge sobressai com todo o seu brilho.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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