Filme: Hard Candy. Mulher: Hayley Stark
(IMDb)
Hayley (Ellen Page), a protagonista de “Hard Candy”, é uma miúda de 14 anos, à primeira vista inocente, que é atraída para casa de um adulto aparentemente certinho e de aspecto respeitável (Patrick Wilson), com quem travou conhecimento através de um chat na Internet. Ponto assente, a vítima do filme vai ser o adulto e não a adolescente, que uma vez em casa do homem vai atá-lo a uma cadeira e torturá-lo psicologicamente durante algumas horas. Aliás, a dada altura do filme o homem vai ser preso a uma cama para ser castrado com instrumentos rudimentares, de eficácia duvidosa. É como a história de “Taken”, mas ao contrário. Graças à sua loucura e à sua originalidade, achei que esta personagem se enquadrava no âmbito desta rubrica para a qual fui simpaticamente convidado, pelo que sobre ela passarei a divagar brevemente.
As informações de que dispomos sobre Hayley são praticamente inexistentes, e o mais provável e que este nem seja o seu verdadeiro nome. A própria personagem, quando interrogada sobre a sua identidade, parece considerar-se mais a corporização de uma ideia do que um indivíduo em si: «I am every little girl you ever watched, touched, hurt, screwed, killed.» Deste modo, só sabemos aquilo que vamos assimilando durante o filme. Ou seja, que é pequena e franzina, que tem o cabelo curto, à rapaz, e um hoodie vermelho vivo que contrasta com os cenários de cores frias e sem vida da casa de Jeff. Apercebemo-nos também, ao ouvirmos os diálogos entre Hayley e Jeff, que é extremamente inteligente, maquiavélica e, se for preciso, manipuladora. Tem também sangue frio, e pela forma como se atreveu a levar a cabo um ardil tão arriscado deve ser muito corajosa. Não é, no entanto, perfeita, e um ou outro erro de julgamento vão por em risco a sua operação.
A sua característica mais importante e interessante, porém, é a sua loucura, enriquecida com algum humor negro. Só uma louca iria fazer-se atrair com tamanha confiança para o refúgio de um pedófilo com o intuito de drogá-lo, atá-lo, torturá-lo e obrigá-lo a confessar os seus crimes, ao mesmo tempo que vai vasculhando a casa e descobrindo pormenores sobre a sua vida, que irá utilizar posteriormente para chantageá-lo. Em alguns momentos da narrativa até chegamos a ter pena do pedófilo, que em mais do que uma cena vai chegar ao ponto de ponderar acabar com a própria vida. Jeff vai ser esbofeteado, asfixiado, humilhado, e vai levar com um taser mais do que uma vez, deixando-o a arrastar-se vergonhosamente pelo chão, indeciso sobre se deva fugir ou perseguir a agressora.
Para Hayley se ter tornado tão memorável foi necessária uma interpretação à altura de Ellen Page, que esteve fenomenal em entrar na cabeça da personagem, em deixar-se libertar e em fazer transparecer toda a sua insânia e por vezes sofrimento interior, criando uma miúda de 14 anos autoritária, imponente e perturbadora com um aspecto inofensivo. A interpretação chegou mesmo a valer-lhe o prémio de melhor actriz do Austin Film Critics Association, bem como uma diversidade de elogios por parte da crítica, que serviram para chamar a atenção dos estúdios e de parte do público para uma actriz na altura praticamente desconhecida, que hoje se encontra confortavelmente estabelecida.
Apesar de ter sido feito de forma muito competente, principalmente tendo em conta que o seu orçamento foi inferior a um milhão de dólares, “Hard Candy” não é uma obra-prima. Até é um bom filme, mas a sua história tem algumas limitações, principalmente em propiciar grandes momentos de tensão. Mesmo assim, tanto Brian Nelson (argumentista) como David Slade (realizador) conseguiram elaborar um filme no mínimo original, e ao subverterem a noção genérica de quem é a presa e o predador conseguiram criar uma personagem carismática e perturbadora, provavelmente tão capaz de enriquecer os nossos sonhos como de nos atormentar nos nossos piores pesadelos.
Uma boa escolha sem dúvida, pouco usual. Um grande filme, vi-o sem grandes expectativas e surpreendeu-me bastante.
ResponderEliminarCumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori