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Mélanie Laurent passa para o lado dos bastidores e realiza este filme sobre a amizade, aliás sobre o que de pior pode acontecer numa relação de amizade, Respire aborda a vertente tóxica da amizade (se é que se pode chamar amizade).
Numa relação amorosa, sabemos que sentimentos dolorosos e até sofrimento podem estar envolvidos, mas dificilmente esperamos que uma relação de amizade se transforme em terror. De um momento para o outro a empatia entre duas pessoas fica envolta em neblina, em roubo de afectos, em ofensas, calúnias e perseguições. Amizade venenosa poderá ser o melhor subtítulo para este filme de Laurent. Respire é perturbador, inquietante. É uma história coming-of-age que deve servir de alerta aos progenitores e de chamada de atenção a jovens adultos com dificuldade em destrinçar o bem do mal, o afecto normal da obsessão. Respire é incrivelmente trágico.
As personagens principais são adolescentes que frequentam a escola secundária e tem tudo aquilo que faz parte deste ciclo da vida: brincadeiras, fofocas, conversas idiotas, festas, nascimento e morte de paixões, melhores amigos, ódios de estimação.
Charlie (Joséphine Japy) é uma jovem bem-educada, sociável, responsável, boa aluna, com um grupo consistente de amigos. Uma adolescente normal, até ao dia em que chega à escola uma aluna nova chamada Sarah (Lou de Laâge). Cabe a Charlie a tarefa de ajudar a integrar Sarah na escola e nas matérias leccionadas.
Sarah e Charlie desenvolvem rapidamente uma empatia e amizade. Charlie acolhe Sarah na sua vida, na sua casa e na sua família. Com esta intimidade, a jovem forasteira passa a conhecer de forma demasiado próxima a vida da nova amiga: as suas rotinas e os seus problemas familiares. Enquanto Charlie é transparente na sua forma de viver e de ser, é uma miúda sem vícios, sem maldade, Sarah é metediça, pouco transparente no que diz respeito à sua família, maliciosa, com vícios. Sarah exibe rapidamente uma habilidade surpreendente em manobrar Charlie. O espectador percebe rapidamente que a rapariga aparenta ser uma má influência e Charlie não demora muito a perceber que a vida que Sarah diz ter não é correspondente à verdade.
Quando a personagem interpretada por Joséphine Japy percebe quem Sarah realmente é e a confronta com isso somos surpreendidos com a forma perturbadora em que esta “amizade” se transforma e quão drástica é o fim desta relação. A juventude, alegria e inocência de Charlie dá lugar a um olhar vazio e a um desgosto inconsolável e Lou de Laâge dá à sua personagem Sarah uma interpretação lancinante e emocionante. Com tiques faciais misturados (ou disfarçados) com um aparente equilíbrio charmoso, convincente e nefasto consegue, mesmo no seu modo mais horrível de ser, de estar e de falar, gerar empatia com o espectador. Sabemos que é perturbadora e perigosa, cruel e até mesmo uma espécie de parasita, mas na verdade sabemos que é uma adolescente, perdida e confusa que usa o assédio moral para sobreviver.
Mélanie Laurent que é mais conhecida no mundo do cinema como a actriz Inglourious Basterds, mostra que é detentora de uma profunda compreensão de espaços e de enquadramentos e é ajudada magistralmente pelo director de fotografia Arnaud Potier.
Neste filme, Laurent retracta o advento e a destruição de uma amizade perigosa com grande clareza e sinceridade dolorosa. Poucos ou nenhuns momentos parecem artificiais ou mal enquadrados. O ritmo não é apressado ou lento, é o indicado. O fim do filme por parecer “cómico” para alguns, mas é inevitável. É a aparente solução para uma má e perigosa situação. Laurent merece elogios, não só pela sua disponibilidade para aprofundar esta temática (que não é assim tão ficcional), mas também pela habilidade com que realizou o filme.
Respire é uma história familiar, mas Laurent conta-a com o fervor de um realizador experiente. Não existem atalhos ou floreados. Não é um típico filme coming-of-age com romances e dúvidas existenciais, é sobre uma amizade tóxica e sobre o desespero sentido de uma jovem que luta para sair dessa relação a bem, mas que tal parece ser impossível. É sobre pessoas reais com problemas, famílias disfuncionais e vícios.
As personagens de Laurent não são caricaturas. Têm motivações próprias e conviventes, evoluem e desintegram-se no caminho que escolhem para si próprias. A realizadora não se prende com as minucias da adolescência, mas dá-lhes uso em momentos que são aparentemente insignificantes, como um riso compartilhado ou uma sessão de maquilhagem antes de ir para uma festa. No entanto, apresar das profundezas obscuras da adolescência serem o tema central do filme, em Respire, nunca é perdida a luz da juventude.
Nota:
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