15/01/2014

Opinião | 12 Years a Slave | Steve McQueen. 2013

Título em Portugal: 12 Anos Escravo
Data de estreia: 02.01.2014
















“McQueen doesn't go in for a lot of flash edits or self-conscious visual flourishes to put viewers at ease; rather, he invites the audience to sit with him as he gazes, amazed, at man's inhumanity to man…” Ann Hornaday, Washington Post
“A harrowing, unforgettable drama that doesn't look away from the reality of slavery and, in so doing, helps us all fully, truly confront it.” Joe Neumaier , New York Daily News
“The genius of "12 Years a Slave" is its insistence on banal evil, and on terror, that seeped into souls, bound bodies and reaped an enduring, terrible price.” Manohla Dargis, New York Times

Assente numa história verídica, Steve McQueen, em 12 Years A Slave, conta a incrível história de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) – um preto, músico e homem livre de Saratoga, Nova York, que é raptado e vendido como escravo em Louisiana. Depois de drogado e já bem longe da família, Solomon é vendido como escravo no Sul. Recebe o nome de Platt e, como se se tratasse de um objecto, circula de mão em mão, até que se torna propriedade de um malévolo, cruel e alcoólico homem chamado Edwin Epps, interpretado por Michael Fassbender.

12 Years a Slave é a história de um homem que mesmo exposto à miséria humana, mesmo assistindo à morte e maus tratos dos seus companheiros de trabalho, tudo faz por sobreviver. Platt percebeu que a única forma de sobreviver era cooperando. O escravo faz de tudo para alcançar a liberdade (que era sua por direito), mesmo confiando erradamente em quem não devia. Solomon consegue a ajuda inesperada de um homem chamado Bass (Brad Pitt) que, não concordando com a escravatura, acredita nele e salva a sua vida, restituindo-lhe a liberdade. Ao longo dos 12 terríficos anos, o músico Solomon Northup tentou a todo o custo sobreviver, mas, sobretudo, lutou por permanecer sempre digno. 


















McQueen é fiel à sua cinematografia. Tal como em Hunger e Shame, 12 Years a Slave é um filme escuro, cru, incómodo e por vezes difícil de ver. Muitos são aqueles que acham que a violência do filme é exagerada e despropositada. Tenho para mim que muito provavelmente serão os mesmos que apontaram o dedo à flagelação de Jesus Cristo em The Passion of the Christ de Mel Gibson. No entanto e a meu ver, em ambos os filmes, toda a violência que foi mostrada é ainda pouca para demonstrar a violência física e psicológica dos acontecimentos históricos e bem reais que retratam. 12 Years a Slave foi extraordinariamente bem filmado e editado, o filme balanceia entre momentos tristes e violentos, com momentos de algum relaxe e até de ligeiro humor.

O realizador escolheu um elenco de luxo, sendo que muitos permanecem em cena pouquíssimo tempo, mas nem por isso são menos importantes. Brad Pitt e Paul Giamatti aparecem por breves minutos, mas as suas prestações são importantes, tal como Paul Dano, que é como sempre eficaz. Benedict Cumberbatch interpreta um fazendeiro e mercador de escravos, consciente e bom homem, mas muito mal rodeado de capatazes brancos. No entanto, nem a poderosa voz de Cumberbatch o salva da ofuscação causada pela magistral interpretação de Michael Fassbender. O actor dota a personagem de emoções, sentimentos e acções, que são todas transmitidas ao espectador. Edwin Epps é o último proprietário de Solomon. Mau, vil, preenche o filme com um sentimento de medo tal que até os espectadores se sentem incomodados. A sua mulher, a Sra Epps, interpretada por Sarah Paulson, é igualmente miserável. 

Lupita Nyong'o tem um papel impressionante. Escrava, violada e torturada, é a protagonista de uma das cenas mais intensas do filme. É o epicentro emocional do filme. No entanto, a verdadeira estrela do filme é Chiwetel Ejiofor. Solomon é inesquecível. McQueen e o argumentista John Ridley criaram uma personagem sem truques ou artifícios, uma personagem genuína, comovente, emotiva e emocionante. 
A banda sonora de Hans Zimmer não pode ser ignorada. Enriquece o filme com cada som, acorde e em todas as mudanças de tom. Também a fotografia de Sean Bobbit é portentosa. 

É certo que o contar da História, sobretudo o recriar partes da História que incomodam muita gente, não é fácil de gerir ou de absorver. O filme relembra um delicado passado próximo dos Estados Unidos da América. Ou melhor, um “passado” que em 2013 ainda vingava no Mississípi. Este Estado, só no dia 7 de Fevereiro de 2013 aboliu oficialmente a escravidão. É um filme que - quase aposto - a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas adoraria ignorar. Se o fizer, peca. O filme é um retrato triste e sensível de um escravo, mas não se limita a ser um filme sobre escravidão. Steve McQueen mostra um outro lado da escravidão. O realizador aumenta o alcance e mostra o negócio da escravidão, mas também tenta mostrar que muitos lutaram contra este desrespeito pela vida humana. Estratificação social, maldade humana e dilemas morais são expostos de forma crua e fria, sem meios caminhos ou mensagens subentendidas. 12 Years a Slave é inesquecível, por vários motivos. Espero sinceramente que a Academia concorde e não o ignore.

Nota:


4 comentários:

  1. O Mississipi ainbda não tinha alterado a lei? Isso é, nem sei, faltam-me as palavras :S

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    1. É de facto chocante. Só no ano passado é que o Estado do Mississipi ratificou oficialmente a 13ª emenda do Estados Unidos da América, abolindo a escravatura e que estava na constituição do país desde 1865. Um atraso de 147 anos. Ou seja, só agora é que a escravatura foi abolida dos 50 Estados do norte-americanos.

      E o mais curioso é que o filme Lincoln ajudou:
      http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=3060884&seccao=EUA%20e%20Am%E9ricas

      http://www.guardian.co.uk/world/2013/feb/18/mississippi-us-constitution-and-civil-liberties

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  2. Sofia, excelente crítica, só discordo da parte final sobre a Academia. Esta já deu provas de luta anti-conservadorismo, e aliás o filme Lincoln é um delas. Prevejo que os dois filmes que mais devem aborrecer os conservadores ("12 Anos Escravo", e "O Clube de Dallas") vão ser os grandes vencedores da noite, por isso mesmo.

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    1. em 1999 quando Shakespeare in Love venceu o Óscar e filmes como Elizabeth, La vita è bella, Saving Private Ryan e The Thin Red Line ficaram pelo caminho, o conservadorismo da Academia - para mim - ficou mais que provado.
      Aliás podia fazer aqui uma dissertação sobre o facto de The Passion of the Christ ou até mesmo de Apocalypto terem sido ignorados por essa prova de luta anti-conservadorismo, mas é melhor não... entusiasmo-me

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